26 de jan. de 2011

Meu Lar (JurandirBozo)

(foto: Jurandir Bozo)

O rio ainda calmo
Manso rumo ao mar
Eu volto meu olhar para ele
Como se ainda pudesse
Alcançar minhas lembranças
A criança que deixai ali
Vendo o a canoa balançar com o remanso
Correndo na areia
Jogo de bola
Jogo de vida
Pedra, sabão e roupas
Trouxas e cabeças ao sol
Que cantam sonhos meus
- Lá vai a Mulé na areia-
Por ser tal igual sei que me enxergam
Como se eu não fosse daqui
Pássaro de outros ninhos
Que voa para casa errada
Mesmo sabendo que lá
É o seu verdadeiro lar  

14 de jan. de 2011

Sinfonia de Ventilador (Jurandir Bozo)

Tem dias que o vazio
Preenche-me todos os espaços
E o silencio grita noite adentro
Ocupa ate meus pensamentos
Cala meus sonhos
Só então percebo
Que a solidão
Faz a zoada do ventilador
Parecer uma sinfonia

9 de jan. de 2011

Enforcada (JurandirBozo)

(imag:Hayv Kahraman)


Uma Morte em Jaraguá
Parte 5

                    Foi então ate a padaria, empurrou a porta de vidro e pediu uma carteira de cigarro no caixa que fica logo ao lado da porta – aquela seria a certeza que faltava – O cara do caixa entregou a carteira, mas ela não tinha dinheiro - eu esqueci o dinheiro em casa, desculpe, vou pegar e volto – e o cara do caixa disse de forma gentil – não menina leve, você não já vai buscar mesmo... ai você já vai fumando... – ela riu pegou a carteira e saiu sem entender nada, sem saber de onde viria tal confiança... Passou pela frente do mercado e seguiu como se sempre fizesse esse mesmo trajeto, abriu o maço de cigarros e pegou um, mas não tinha fogo, e mesmo assim o colocou na boca e foi andando letamente ate chegar ao sinal no final da avenida; dobrou a direita, andou pouco e logo escutou um som vindo de uma casa de shows, se dirigiu ate bem próximo ao local onde pessoas se aglomeravam, algumas para comprar ingressos, outras pela mais pura azaração e ainda a turma que fica a espera de uma cortesia para não pagar entrada.  Ela avistou um cara fumando e foi ate ele – por favor, você teria fogo?- acedeu seu cigarro e andou ate a entrada e ali viu uma placa grande – Alma de Borracha todas as sextas  com o melhor do rock – e então ela perguntou ao segurança que estava na porta – quem vai tocar ai hoje? –e ele logo respondeu- Alma de Borracha – e ela disse – mas não só é sexta – e ele retrucou – então, toda sexta Alma de Borracha –e ela pensou, mas hoje não é segunda? Foi a ate a praça que fica colado a casa de shows e perguntou a uma moça que passava – hoje é sexta? a moça riu e disse – ate as vinte e três e cinqüenta e nove é! – riu e saiu enquanto ela se via sem saber como a semana teria se passado sem que ela tivesse lembrança? Foi ate o final da praça atravessou a rua e seguiu a andar ate voltar para esquina do beco que dava aos fundos do mercado e ao invés de virar a direita para ir ao mercado seguiu reto para sua casa... – como sei para onde estou indo? A Cho que não vi ninguém morta ou enforcada... Deus tudo terá sido uma ilusão, um sonho, talvez eu esteja com algum problema de memória e só. – Mesmo achando que poderia estar doente se sentia bem mais leve que quando acreditava estar morta. Ao passar por um pequeno bar que ficava na esquina do inicio da sua rua observou que as pessoas olhavam para ela com um olhar triste e de certa forma a saudavam como se quisessem confortá-la, fosse com um aceno fosse com um olhar... Ela gelou mais uma vez a espinha com um arrepio enjoado e quando chegou à porta de casa a avistou alguns carros de policia e da impressa... Então uma mulher veio em sua direção e disse – minha filha você não era pra ter saído não, você precisa descansar, venha, entre logo que o povo ta todo querendo falar com você e não é pra falar nada agora vai subindo para seu quarto e descanse... – a senhora tinha na voz um cuidado e uma ternura que a deixou calma e segura para entrar em casa e descansar.

                Ela subiu as escadas e chegou à porta do quarto que havia acordado logo a pouco e foi quando percebeu que  tinham mais quartos, e foi a um deles, sentia que tinha que entrar ali... Abriu a porta e acedeu a luz...No quarto, fotos, e mais fotos de duas crianças absolutamente iguais... Ela viu os retratos com duas crianças brincando... Duas meninas de cabelos iguais, de olhos iguais... e viu um enfeite na parede de letras de gesso decoradas com flores e pintadas de rosa com o seguinte dizer – Amanda e Andréia – E na penteadeira um álbum que contava em imagem a historia da infância das duas meninas, do nascimento aos preparativos da festa de quinze anos. Ela sentou na cama olhando estarrecida para as fotos que estavam assustando-a a cada folha virada do álbum como se tudo aquilo fosse um pesadelo riquíssimo em detalhes.

                A porta abriu e a mulher que havia lhe recebido ao chegar entrou no quarto e sentou do seu lado e olhando para o álbum disse – vocês eram tão iguais que ninguém, ninguém, nem sua mãe conseguia saber quem era quem... Vocês adoravam se vestirem de forma que não conseguissem saber distinguir uma da outra, mas o tempo foi passando e depois vocês já ainda eram totalmente iguais. Segunda foi o dia do aniversario de morte sua mãe e sua irmã foi fazer a mesma coisa, sem deixar uma carta, uma palavra, uma explicação, nada, nada, e fico me perguntando por que ela fez isso logo naquele maldito dia, e por que aquilo, a sua mãe eu ate entendo, pois ela não conseguiria viver sem seu pai, quando ele foi assassinado ela não suportou, ela já tinha problemas e aquilo foi a gota d’água, mas eu minha filha tentei criar vocês  com todo amor que minha irmã não viveu para poder lhes dar, estou aqui sem saber mais o que fazer, você dormiu a semana quase toda e quando fui na casa ao lado e voltei você já não estava e eu já desesperada chamei a policia e a impressa toda, tive medo de algo ter acontecido a você, mas por favor meu amor, sei que esta abalada com tudo, mas não me deixa sofrer mais que já sofri. Sepultei minha sobrinha que criei como filha sem saber quem estava enterrando, diga a sua tia, fale comigo minha filha, por favor, me diga meu amor você é a Amanda ou é a Andréia...? 




Final...?

8 de jan. de 2011

Enforcada (Jurandir Bozo)


Uma morte em Jaraguá...
Parte 4

               Sem palavras sentou no vaso sanitário e num choro silencioso sentiu seu corpo tremer de medo. Imaginava agora tudo que já havia se passado naquele dia, ali o choro não passava e não entendia como poderia estar morta se sentia-se viva, seria a morte aquilo mesmo? Ou ela estaria sonhando o seu pior pesadelo? Mas por que não se lembrava de mais nada? Seu nome? O rosto de seus pais? Nenhuma lembrança era encontrada por mais esforço que fizesse... Levantou e saiu do banheiro, se dirigiu ao corredor e no final dele uma escada que dava acesso ao andar inferior, desceu as escadas chegando à sala de estar da casa, não conseguia olhar mais nada, só queria sair daquele lugar e ir embora, se fazer entender que ali não era mais o lugar dela, e foi andando ate a porta, abriu-a e foi para a rua, alguma coisa lhe dizia que teria que voltar no local onde supostamente havia morrido, para assim poder descansar em paz como sempre acreditou.

                Já na rua, sentiu algo esquisito, observou as casas antigas e saiu andando pela causada esquerda com velocidade, ela seguiu pela rua ate chegar nos fundos do mercado Jaraguá, passou pela lateral do mercado que ia dar na via de mão dupla onde os carros passavam com velocidades e intensidade... Ela com seus pensamentos a mil, alvoroçada atravessou um pouco mais que a metade das duas vias quando um carro que vinha em alta velocidade dava um freio quase em cima dela, o cheiro dos pinéus queimados entraram em sua narina e a luz forte ofuscaram sua vista... Um grito do carro a fez ri... ri e chorar... – ta doida porra! – berrou o motorista a fazendo perceber que poderia estar viva e logo ouviu um outro comentário  – Quer morrer meu anjo? – falou um rapaz que estava do lado do carona em tom de gracejo, - tão linda vai morrer pra quê... se é pra terra comer deixe que eu como... – ela riu, mas por perceber que realmente não estava morta. 


 


(Continua...)

5 de jan. de 2011

Enforcada (Jurandir Bozo)


Uma morte em Jaraguá...
Parte 3


                      Logo que acordou percebeu o porta-retrato sobre seu peito e tornou a observá-lo mais uma vez, só que agora foi percebendo algo muito comum na moça da fotografia, a cor do cabelo, a cor da pele, e foi então que em um lampejo percebeu que a moça da foto era a mesma que estava enforcada na Praça no Jaraguá – Meu Deus como pode isso, eu estou no quarto dela! Como pode isso Deus do céu? Como eu cheguei aqui? – ergueu-se e de forma inquieta ficou andando no quarto de um lado para o outro, recordava do que a pouco havia se passado e como não conseguia lembrar-se dos fatos de forma clara... Foi ate a penteadeira e abriu as gavetas e os armários do guarda-roupa e nada de encontrar uma explicação lógica ara tudo que estava se passando desde o início daquela manhã...
                 – Deve haver uma explicação... tem que haver uma explicação– pensou alto. as possibilidades mais prováveis passavam por sua cabeça numa velocidade que mal dava para se ater a um detalhe que fosse mais importante – e se alguém achar que eu a matei e por isso me trouxeram para o quarto dela... Ai!não, lógico que não, se tivessem pensado nisso não estaria aqui e sim na cadeia. Sentou na cama e ficou a observar todo quarto, pensava nas possibilidades mais improváveis e loucas, em teorias conspiratórias e mais teorias que já tivera vista em algum lugar que lembrava, se num filme, num livro ou em um jornal qualquer, então levantou da cama e foi ate a porta do quarto, pós a mão na maçaneta, e lentamente foi girando-a e abrindo a porta de forma suave e com muito cuidado... Ao abrir a porta viu um corredor e logo à frente outra porta entreaberta que mesmo com pouca visibilidade deu para perceber ser um banheiro, foi ate lá e ligou a torneira, molhou o rosto passando as mãos sobre os olhos repetidas vezes e pegou uma toalha verde que se encontrava do lado da pia, enxugou o rosto de forma suave, como se aquele simples ato de ter lavado o rosto tivesse aliviado toda tensão sentida. Colocou a toalha de volta no lugar que se encontrava e ao se virar pra sair viu um espelho que não ficava sobre a pia, mas do outro lado da parede defronte a ela, então fixou os olhos e viu no minúsculo espelho a expressão mais assustadora que músculos, carne e nervos poderiam reproduzir. Em seus olhos um pavor de roubar as palavras e emudecer todos os gritos... Foi então que sentiu seu corpo gelar e um arrepio enjoado ganhou todos seus pelos. Sem gritos ou alardes estava vendo dentro daquela moldura de metal o rosto da moça enforcada.

                Rapidamente fechou os olhos e pensou ser uma assombração ou algo assim e após alguns segundos de olhos fechados tornou a abri-los e o que estava refletido no espelho era ainda mais horrendo que a visão anterior, a concreta constatação que o que havia visto era real, ali era sua face limpa e pálida. Passou as mãos sobre o rosto diversas vezes e só uma coisa lhe ocorreu, - eu estou morta! – tudo ganhou contornos mais esclarecedores, ela entendia o porquê de estar naquela casa, o porquê de estar na praça naquele momento, o quarto, a fotografia, eram dela, ela era a moça enforcada.



(Continua...)
 

4 de jan. de 2011

Enforcada (Jurandir Bozo)


Uma morte em Jaraguá...

Parte 2

Ali distante ficou a observar por alguns minutos ate que um taxi se aproximou e parou próximo a praça, logo em seguida veio uma viatura de policia e só então decidiu seguir... Caminhava sem rumo certo, mas os locais que avistava eram familiares... Uma sensação de pertencimento tomava sua mente e deixava tudo mais confuso e tranqüilo, - Como fui parar ali naquela praça? O que estaria fazendo a essa hora em um local praticamente deserto? – As perguntas permeavam seus pensamentos e uma tontura súbita fez com que sentasse em um batente de uma casa antiga, sua respiração ficava mais e mais ofegante, a vista foi escurecendo, escurecendo, ate perder os sentidos e cair no chão...

                Depois de muito tempo retomou o sentido e se percebeu em outro local que não aquele em que havia sentado e caído no chão...  – onde estou? – abriu os olhos com medo e viu um quarto com decoração feminina nele um guarda-roupa e uma penteadeira em tons claros que combinavam com as cortinas, com a cama e almofadas... Do lado esquerdo da cama uma mesinha de cabeceira rosa enfeitada com flores próxima ao abajur em forma de bailarina, e um pequenino porta-retrato com a moldura de palitos de fósforo envernizada em tons de marrom. A fotografia ali exposta não era estranha, pegou-a e trazendo para mais perto dos olhos, observando com cuidado a imagem de uma moça que não lhe era estranha... Ficou a olhar e olhar ate ver que não seria lembraria nada naquele momento, recostou a cabeça nos travesseiros e fechou os olhos, sentia um cansaço no corpo e adormeceu sem nem perceber com o porta-retrato sobre o peito.  

(continua...)

3 de jan. de 2011

Enforcada (JurandirBozo)


Uma morte em Jaraguá...
               

                Madrugada de segunda, e ainda dormia o antigo bairro de Jaraguá, as ruas desertas adornavam seus armazém e casas antigas. Na rua principal, ainda calçada com paralelepípedos ficava o imponente prédio da associação comercial e mais a frente o museu da imagem e do som que ficava defronte a praça dois leões, a frente da praça uma rua asfaltada por onde passam os coletivos e logo após essa se via outra praça que precedia a uma igreja antiga de paredes brancas e portas azuis...  Na praça uma arvore grande bem ao centro, não sei lhe dizer o nome de tal arvore, mas esse detalhe é bem menor que o fato que teria acontecido ali na mesma madrugada sisuda.

                A manha de segunda veio lenta e logo que o sol se fez nascer gritos cortaram o harmonioso som de quase silencio – Socorro! Socorro! Mas o vazio era tanto que os gritos não encontraram um endereço sequer para serem destinados. Ali na arvore da praça defronte a igreja um corpo de uma jovem enforcada ainda a suspirar pelo resto de vida que estrebuchava as ultimas pulsações enquanto alguém lutava desesperadamente contra o inevitável fim. Com o passar de poucos segundos em uma luta intensa os movimentos desordenados foram dando lugar a inércia da morte, o corpo ainda quente deixava a impressão que algo poderia ser feito para salvar a linda moça enforcada. Após tentar por minutos numa batalha esgotante, a moça que aparentava ser leve o bastante para ser erguida com facilidade, ali, ela redobrava seu peso e dificultava mais e mais qualquer tentativa de salvamento.  Era uma linda moça de pouco mais que 18 anos, e estava vestida de forma pouco comum para uma suicida, a moça se encontrava com peças mínimas de roupas e com os pés a pouquíssimos centímetros do chão. O quadro aterrorizante motivava gritos ainda maiores por socorro, Mas ninguém ouvia... E após tanto gritar pedindo por socorro e a constatação que já não poderia ser feito mais nada, lhe ocorreu um pensamento pertinente – como eu cheguei aqui? ...e se pensarem que eu a matei? Então saiu caminhando em direção a igreja e entrou numa rua do lado seguindo um muro para contorná-la e logo que chegou aos fundos da igreja, parou para respirar e a pergunta continuava em sua cabeça insistentemente – como eu vim parar aqui?

(continua...)